A conversa fiada da recarga grátis
Consumidor deve tomar cuidado para não usar oferta como elemento decisório na compra de um carro elétrico
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Eu me lembro muito bem (e esse é um dos meus defeitos: lembrar das coisas) quando lá por volta de 2005, 2006, o flex fuel começou a bombar no mercado brasileiro de automóveis. Nessa época o etanol (ou álcool, como chamávamos) estava custando cerca de metade do preço da gasolina – aproximadamente R$ 1,25 o litro de um contra R$ 2,50 do outro, segundo dados da ANP.
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Quando um consumidor ia à concessionária o vendedor aplicava um argumento praticamente irresistível: se você paga X de parcela mensal do financiamento do seu carro só a gasolina hoje, troque esse carro por um zero km flex.
Com a diferença do que você vai economizar abastecendo com álcool você paga o valor a mais da parcela, ou seja: na prática vai gastar o mesmo X de financiamento por mês mas estará de carro novo. O incauto cliente caía na conversa fiada e fechava o negócio.
O esperto vendedor só “esquecia” de mencionar que o consumo do carro flex zero km era muito maior do que o do modelo antigo só a gasolina, algo como até 25% a mais dependendo do modelo e do peso do pé do motorista. Aquela tal vantagem financeira simplesmente desaparecia na bomba do posto – só que aí, para o consumidor, já era tarde.
Não tão maravilhoso quanto parece
Infelizmente, e dadas as devidas proporções, o mesmo está ocorrendo agora, desta vez com os carros elétricos. BYD (com o Dolphin Mini) e GWM (com o Ora 03) estão oferecendo aos clientes recarga grátis até o fim do ano na compra de seus elétricos, e os vendedores, é claro, estão usando o mesmo velho argumento a torto e a direito: troque seu modelo a combustão por um elétrico e não gaste nada de combustível até o fim do ano; com isso uma eventual diferença de preço ou de parcela se paga tranquilamente.
Na ponta do lápis isso pode até parecer verdadeiro, mas na vida real não é – assim como aconteceu no caso do flex fuel. O que os vendedores estão “esquecendo” de contar agora é que essa oferta envolve o uso de redes de recarga rápida já existentes. De fato o comprador poderá usá-las sem custo, mas não é tão maravilhoso quanto parece.
Primeiro que essas redes já estão superlotadas, ou seja, não será só chegar, carregar, não pagar nada e ir embora. Será necessário aguardar na fila e submeter-se às boas práticas do processo, como carregar no máximo 80% da bateria. E lidar com eventualidades.
Além disso haverá o processo de deslocamento até o eletroposto que acabará invariavelmente por consumir um pouco da recarga na ida e na volta.
E como a oferta tende a aumentar ainda mais o fluxo de motoristas nestes eletropostos, sem que exista uma abertura de novas unidades na mesma velocidade, o quadro futuro breve é só de piora.
Não digo que a oferta não seja interessante; é sim. Mas ela não pode funcionar como o balizador da decisão de compra de um carro elétrico. Quem quer comprar um elétrico precisa saber que obrigatoriamente dependerá de um carregador exclusivo, só seu, à disposição. E não é o portátil. Isso vale também para a oferta de carregador tipo wallbox grátis ou com desconto: é preciso calcular o valor da instalação, e se ela é viável, antes de fechar o negócio. Isso evitará muitas frustrações futuras – e erros de cálculo.
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